Modernidade líquida e internet reduzida

A segunda semana de 2017 lembrou muito as reviravoltas nem sempre felizes de 2016: a morte do sociólogo Zygmunt Bauman e o fim da internet banda larga ilimitada, então anunciada pelo ministro de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações Gilberto Kassab.

O próprio ministro já desmentiu a regulamentação, o que não deixa de ser mais uma mudança repentina no mesmo estilo de tantas que aconteceram no último ano. Contudo, não custa fazer um exercício de imaginação sobre o que aconteceria caso esse controle se efetivasse.

Na era da internet, dos serviços de streaming para assistir séries e filmes, das mídias sociais e de seus memes e dos nômades digitais – pessoas que trabalham de maneira remota e on-line de qualquer lugar do mundo -, um possível controle de fato gera choque e revolta. Se o serviço já não é dos bons há tempos, tenderia a piorar. Especialistas afirmam que os planos mais baratos, normalmente de 10Gb mensais e bastante consumidos pelas classes C e D, só durariam 4 horas de filme. Se for pensado em uma escala maior, na qual a internet é o principal meio de comunicação utilizado por jovens, entra-se no cenário de atraso e retrocesso à democracia.

Pelo conceito de modernidade líquida de Bauman, vive-se hoje um mundo de fluidez e volatilidade onde novas relações e instituições são criadas. A internet é um dos principais propulsores dessa quebra de paradigmas, espaço onde cada um vive por si e de acordo com suas culturas e as relações de trabalho se tornam flexíveis e incertas – empregos temporários, acordos nem sempre contratuais, pequenos serviços esporádicos, entre outras configurações. Saímos de uma modernidade sólida de antes de 1960 para a liquidez – que não necessariamente é saudável, haja visto as relações seletivas econômica e socialmente.

A limitação da internet banda larga prejudicaria as plataformas de aprendizagem em áudio e vídeo, os profissionais que armazenam seus dados em nuvem e o download de jogos. Diminuiria o alcance de mídias livres e comunitárias que remam contra a maré das grandes empresas de comunicação. Dificultaria a disseminação de ideais frescos, livres e inteligentes, tão raros ultimamente. O país não é o único que teve a intenção de regular pacotes de internet banda larga, mas, certamente, seria aquele não disponibilizaria alternativas plausíveis a essa limitação.

Não estamos em tempos de pânico nem desespero, mas um alerta foi ligado. Dar início a outra fase, em que se reduziria a potência e o alcance de conhecimentos e de espaços tão duramente conquistados pelos mais pobres, não seria tão moderno assim.