Militarização da política, a nova etapa das UPP’s?

A matéria intitulada “Polícia organizando eleições em favelas“, publicada no site de notícias da ANF, revela talvez o mais novo desdobramento da política de segurança do Estado do Rio, que consiste não apenas em reconquistar territórios ocupados por bandidos, mas ocupar e militarizar todos os aspectos da vida das classes populares, em especial a cultura e a política, dimensões essenciais do ser humano.

A ANF, por meio da análise de seus diversos colaboradores, vem acompanhando de perto este processo de militarização. Ver, por exemplo,  a excelente análise de Carlos Bruce Batista, intitulada “Da Criminalização do Funk à militarização da pobreza“, que examina a perseguição ao funk a partir desta estratégia de militarização da pobreza. Vale a pena também ler o texto “A (i)legalidade da busca e apreensão e as operações no Complexo do Alemão e na Vila Cruzeiro“, de Ana Paula Lomba, sobre ilegalidades cometidas no início dos processos de “pacificação”. Para compreender melhor o ambiente em uma favela ocupada, é fundamental a leitura do texto de Marcelo Sales, intitulado “Santa Marta – Paz sem Voz é Medo“. Este texto apresenta também um claro diagnóstico da questão, oferecido pela socióloga Vera Malaguti:

“É o sonho do capitalismo. Pegar a mão-de-obra e ter o controle total. Meter a vida dela no campo de concentração. Enquanto isso, liberdade para os ricos. Esses podem andar livremente e concentrar a riqueza sem correr nenhum risco porque a conflitividade social, a luta de classes está controlada o tempo todo. O sonho é fazer isso com todas as favelas”

Notícias anteriores, que registram proibições de bailes, de festas, de música alta em certos horários ou meras reuniões de moradores já mostravam, além do cerceamento das liberdades individuais, uma militarização da vida cultural e social dos moradores. Ver, a esse respeito, a matéria “Rapper acusa policiais de UPP de agressão“, que relata como uma guarnição de uma UPP ordenou o término de um evento cultural.  Como se não bastasse isto, o Estado agora parece estender o seu projeto militarista à própria política, ultrapassando assim o limite que garante a própria democracia.

Por mais “preparados” que sejam os comandantes destas unidades, não cabe à polícia, em virtude de sua própria função em um estado democrático de direito, o papel de solicitar ou mesmo conduzir o processo eleitoral das comunidades. Eleição é algo que só pode acontecer quando há maturidade, liberdade e autonomia política dos moradores. E isto deve surgir deles mesmos. Sem esta liberdade e autonomia política, que só pode se dar em contextos nos quais há efetiva liberdade de manifestação cultural, o processo eleitoral não é legítimo.

Na medida em que a polícia ocupa militarmente espaços que eram anteriormente ocupados por traficantes armados, se trata ainda de um território sob ocupação armada, sob ocupação militar, no qual tudo se submete inevitavelmente aos critério militares, aos critérios e hierarquia da caserna, inclusive aí a mais importante dimensão humana, a dimensão política.

Neste sentido, convidar outras organizações para assegurar a legitimidade das eleições não é suficiente, pois a unidade efetiva das comunidades, neste caso específico, não surge da vontade e da deliberação legítima do povo organizado, mas de cima para baixo, a partir de uma determinação do comando militar, da mesma maneira que são determinadas proibições de bailes, reuniões ou mesmo toques de recolher.

Seria melhor fornecer e garantir ao povo, ao invés de ocupação ostensivamente armada, as verdadeiras ferramentas que conduzem à democracia: educação, dignidade, emprego e um ambiente no qual a liberdade seja garantida pela cidadania, por uma postura interna ou estado de espírito,  e não por militares armados. É disso que o povo precisa. É isso o que o povo nunca teve. Era este um dos ideais do movimento Favelania, que inspirou grandes líderes comunitários. Mas isto não interessa ao governo.

Afinal, contar com este apoio militar em todas as comunidades pacificadas, capaz de garantir ao povo o  “verdadeiro espírito cívico”, talvez seja interessante do ponto de vista eleitoral.