Machismo nosso de cada dia e a dificuldade de se colocar no lugar dela

Machismo agride, mata, magoa e, também, envergonha. Que eu possa ser amanhã, menos machista do que eu fui hoje.

Crédito: Reprodução internet.

Lembrando a campanha #MeuAmigoSecreto, em que as mulheres publicavam casos machistas naturalizados e praticados por homens próximos ou de seus convívios, peço licença as meninas para usar a # e expor um caso que me impactou.

Era carnaval, onde todos os nervos estão, pelos mais diversos motivos, à flor da pele, quando a mensagem dela pulsou na tela do celular. Duas frases simples, porém, com efeitos complexos: “Véi, você não vai acreditar! Eu estava ficando com um cara e ele me agrediu, você acredita?”.

A mensagem veio de uma brasiliense, com gíria local, que ele conhecera em uma viagem de trabalho dois meses antes. Eles ainda não trocaram o primeiro beijo, porém, já se tratavam como amantes antigos, daqueles que trocam mensagens carinhosas, confidências, fotos engraçadas e planejam quem vai cozinhar e quem vai lavar a louça.

Só que as duas frases recebidas quebrou o encanto do lado carioca da história, mal sabendo ele que sua reação causaria um efeito muito pior. O macho alpha pseudo-desconstruído, do alto de seus privilégios, achou revoltante que ela comentasse com ele sobre uma história que vivera com outro cara, com quem acabara de trocar alguns beijos, independente do fim que levou. “Como ela não pode ter a noção do que se pode e o que não se pode falar para um ‘crush’”, pensou ele.

Sua resposta foi instantânea, curta e grossa. “Sério que você está me falando de um cara com quem você ficou? Meio viagem um comentar sobre isso com o outro, não acha?”.

Ela respondeu com um esperado e silencioso “ok”. O que mais falar depois de uma reação egoísta dessa? Passado alguns dias, ele voltou a fazer contato, perguntou se aquilo seria o fim deles. Ela disse achar que sim. Incrível como os privilégios tiram nosso senso crítico, bom senso e empatia. Ele ainda a questionou o porquê e ela foi enfática:

– “Um homem que escreve: “reconhecendo o machismo”, ” tentando acabar com ele”… que se titula como pró-feminista. Falei com você da agressão, única coisa que pareceu ser um absurdo, na sua cabeça foi “ela tá ficando com outro cara”. Você não tem noção como é grave uma agressão. Você nem perguntou se estava bem. Eu fui falar com você, porque eu não tinha conseguido comunicar com ninguém ainda. Ninguém me atendia. Estava desesperada, fragilizada de todas as formas, porque na hora estava tão nervosa que não sabia o que fazer e nem por onde começar. É aquela questão, ‘esperar empatia de homem é esperar ganhar na mega sena’.”

Sim, ela estava certa, ele não tem noção como é grave uma agressão. Por mais feminista ou “contra machista” que um homem possa ser, por mais Simone do Bervouir que ele possa ler, por mais desconstruído que ele possa se achar, ele jamais vai ter uma real noção do que se passa no outro lado. Por uma simples razão, ele não se imagina vivenciando aquilo em algum momento de sua vida. Um homem não sabe o que é ser agredido por uma mulher com quem acabou de trocar uns beijos, para quem se entregou, simplesmente, porque não quis ir além ou não quis determinada prática sexual com ela. Nem Shakespeare escreveria uma ficção dessa.

Então, entendo eu, por mais desconstruído que você possa desejar ser, é preciso se esforçar diariamente para enxergar além dos seus privilégios e colocar empatia em uma situação que você nunca vai vivenciar. Todo homem precisa enfrentar essa batalha diariamente. É uma escolha e uma necessidade.

#MeuAmigoSecreto sou eu mesmo, esse colunista da ANF, das quintas-feiras, que vos fala. Essa história foi vivida no carnaval de 2018 e merece servir de exemplo e aprendizado para mais alguém, que seja mais um único macho pseudo-desconstruído. Já será válido.

Na mesma semana que “coloquei” uma mulher preta no mundo, me senti totalmente envergonhado por algo vivenciado com uma outra mulher preta. Um desapontamento gigante comigo mesmo, que não consigo lembrar de algo parecido, justamente pela completa falta de empatia pela dor do outro, simplesmente porque jamais viverei o que ela viveu. Não consegui ser empático ao ponto de olhar primeiro para a figura feminina que precisava de apoio, antes de olhar para a companheira que falava algo que eu não gostaria de ouvir.

O machismo e a hierarquia de gênero são males terríveis da nossa sociedade, constroem um véu que nos veda dia após dia. Precisamos reconhecer nossas falhas e encará-las. Machismo agride, mata, magoa e, também, envergonha. Que eu possa ser amanhã, menos machista do que eu fui hoje.