Libertem o cativeiro social

Crédito: Caio Ferraz / ANF

“Meu canto é resistência no ecoar de um tambor”, no samba da GRES Beija-Flor de Nilópolis o público presente no último dia de desfile foi ao delírio assistindo mais um desfile marcado por críticas sociais. Assim como também fez a Mangueira no primeiro dia ao criticar o corte de verbas pelo prefeito evangélico que não entendeu que o samba é o grande porta-voz da cultura do Brasil.

Contudo, nenhuma agremiação se comparou ao arrebatador desfile da GRES Paraíso do Tuiuti. O que a escola fez foi mostrar que o samba nasceu da resistência dos negros e do povo marginalizado. A luta social de um dos países mais injustos do mundo moderno sempre foi tida pela elite branca e eurocêntrica como questão menor, porém não há sociedade que tenha conquistado direitos sem que seu povo deixasse de ser servil.  E foi este o recado do histórico desfile da escola de samba nascida no Morro do Tuiuti, em São Cristóvão.

130 anos após o fim da escravidão as pautas dos negros pouco avançaram, ao contrário, eles se tornaram a “carne mais barata do mercado” e são sempre responsabilizados pelas mazelas que vivem. Conceber um enredo e fazer dele a lavada de alma do povo sofrido das favelas é desdenhar dos camarotes luxuosos que fazem festas privadas para uma elite egoísta e moralmente incapaz de perceber que para sair do atoleiro social ela tem que cortar na própria carne e ceder ao investir em cultura, educação, saúde e acesso aos bens de consumo.

Como se não bastasse os retrocessos políticos e sociais, não podemos admitir que a beleza e a grandeza do desfile da Tuiuti seja esquecido, asim como fez Joãosinho Trinta em 1989, no memorável carnaval “Ratos e urubus, larguem minha fantasia”, um desfile histórico da Beija Flor, protesto em favor de um Brasil mais justo, temperado pela criatividade e coragem extrema do carnavalesco que mudou a cara – e a coragem – do carnaval carioca. O carnvalesco não venceu o carnaval carioca daquele ano, mas ficou guardado na memória do povo como uma aula magna de cidadania, de solidariedade e  compaixão. A letra do samba deixava um recado bem claro:

“Reluziu… É ouro ou lata

Formou a grande confusão

Qual areia na farofa

É o luxo e a pobreza

No meu mundo de ilusão”

Agora foi a vez da agremiação de São Cristóvão, que não se intimidou frente os grandes do carnaval e denunciou as mazelas, à escravidão e o golpe político de 2016. Carnaval é superação, é criatividade, é a capacidade que o povo tem de se olhar no espelho e se ver com os brilhos da purpurina e dizer que apesar de vocês amanhã há de ser outro dia. Que venha a quarta-feira não de cinzas, mas das cores azul e amarelo do enredo da Paraíso do Tuiuti