Isolamento social dos que não podem viver isolados

Centro de Caxias na reabertura do comércio em maio - Foto da internet

Circulam nas redes sociais vídeos sobre o desrespeito de favelas e periferias às determinações do isolamento social, quase sempre com mensagem truncada, atribuindo à suspensão das operações policiais por ordem do Supremo Tribunal Federal mostrando ruas cheias e festas supostamente comemorativas da decisão judicial. Na realidade, trata-se de mentira e distorção que mostram a falta de empatia, mesmo em situações extremas.

Por suas características, favelas reúnem o grosso da população carioca e da Baixada que não tem direito ao isolamento pela simples razão de que tem de trabalhar para sobreviver. Esta é a questão estrutural ignorada quando apontam o dedo e condenam os moradores, como se a favela vivesse uma realidade estranha, em que trabalhar para a classe média não significa romper o isolamento, mas circular pelas ruas e vielas sim. É como se dissessem “fique em casa, mas não deixe de limpar a minha, lavar minha roupa, levar meus cachorros para passear…”

Sem juízo de valor, mas apenas com olhos de moradores atentos aos desdobramentos e à evolução da pandemia do Covid-19 na sua comunidade, na cidade e no país inteiro, três colaboradores da ANF escreveram sobre a rotina de onde vivem. Seguem seus relatos pessoais assinados:

Complexo da Maré – por Simone Lauar

Por mais que a divulgação sobre prevenção estejam espalhadas por todo lado em cartazes, placas, postes e carros de som, os bares continuam abertos e as ruas cheias nas periferias e favelas do Rio de Janeiro e região metropolitana. A Vila do João, uma das principais ruas do Complexo da Maré, por exemplo, não deixou de abrir o comércio e toda quinta-feira tem feira de roupas e produtos de casa – a rua fica intransitável.

O campo de futebol onde antes da quarentena havia bailes no fim de semana, agora tem jogo com público de até quase 200 pessoas. Os campeonatos estão rolando todo fim de semana e as pessoas não estão tendo o distanciamento recomendado e nem usando máscaras.

Os bares também estão lotados, e só fecham pela manhã. Na Vila dos Pinheiros, um bar de bebida barata tornou-se o point dos adolescentes na quarentena. Semana passada, foram quase 400 pessoas curtindo som local e crush. Todo fim de semana é possível encontrar, em algumas ruas, aniversários e churrascos sempre lotados e com música alta até a madrugada.

Os restaurantes não entregam refeições, mas na hora do almoço continuam com o público de sempre, como se a pandemia não existisse. Supermercados, por sua vez, não impõem restrições à circulação de fregueses e muitas vezes durante o dia estão cheios, com muitos funcionários e clientes sem máscaras.

Duque de Caxias – por Julianne Cabral

Em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, segunda cidade com maior número de mortos por Covid no Rio, a quarentena nunca existiu. Os moradores continuam promovendo eventos com grandes aglomerações, ignorando totalmente as regras de distanciamento social.

Nos bairros mais afastados do Centro, onde não há qualquer vestígio de fiscalização, os bares estão lotados. Pelas ruas é possível ver churrascos de famílias, festas de aniversário, chás de bebê, além dos bailes funks que voltaram a acontecer no último fim de semana.

Na cidade vizinha, Belford Roxo, a situação não é diferente. Nos bairros próximos ao Lote XV, ruas costumam ser fechadas para festas, mesmo com recomendação de evitar aglomerações. De acordo com dados da prefeitura, a cidade tem um pouco mais de 70 mortes confirmadas.

Nas duas cidades, os grandes eventos são anunciados normalmente através das redes sociais, como se não houvesse uma pandemia. Nesses locais, o uso de máscara ou qualquer tipo de proteção não é comum e as pessoas ignoram totalmente o alto risco de contágio da doença.

Tuiuti e Barreira do Vasco – por Renato Nascimento

Nas favelas do Tuiuti e Barreira do Vasco, em São Cristóvão, o isolamento teve ciclos muito curtos. Num primeiro momento, a população em geral não seguia à risca as normas de isolamento social e as máscaras eram meramente opcionais. O comércio em geral em ambas favelas se mantém quase que 100% aberto desde março. Com as medidas sanitárias e de proteção individual endurecidas no comércio próximo das favelas e o alastramento do vírus, as máscaras passaram a fazer parte da rotina da maioria da população.

Os bailes foram interrompidos e o Forró da Barreira também. Mas os bares continuam com a movimentação quase normal. As praças e ruas mais movimentadas idem. Nas quadras o futebol continua rolando, mesmo com a muito sentida morte de Bruno Koki, idealizador do projeto “Eu Amo São Cristóvão”, que sempre ajudava as favelas da área. Agora, com as medidas de flexibilização aprovadas, máscaras e circulação de pessoas voltaram a níveis bem próximos ao “velho normal”.