Feliz ano novo colorido

Certo dia, andando pelo Alemão, vivenciei uma cena que nunca vai sair da minha memória: uma criança chorando. Era uma segunda-feira, mais um dia normal no cotidiano de todos nós. Ao passar por uma viela, uma porta do barraco estava aberta e dentro uma jovem mãe com seus dois filhos, apreensivos e ávidos para que alguém passasse por ali – e essa pessoa foi justamente eu.

Era de manhã cedo e pude perceber que aquela família estava passando por alguma necessidade. Com os olhos fitos em mim, um dos filhos dela me penetrou a alma com aquele olhar de ternura e ansiedade. O nome dele era Jhonatan Silva, tinha uns 6 anos na época, garoto super esperto e inteligente, percebeu logo que me ganharia com o olhar dele e assim foi.

Parei naquela casa e entrei a convite do olhar do Jhonatan e senti muita paz ali. A casa estava toda arrumadinha, limpa e era aconchegante, todos estavam bem vestidos e asseados. A mãe cheia de vergonha me dirigiu um ‘bom dia’ e iniciamos uma conversa.

O mais interessante é que o Jhonatan não tirava os olhos de cada gesto meu, observei muito isso.  Sua mãe começou a contar um pouco da história: falou-me que foi mãe logo cedo (o primeiro filho aos 15 anos) e foi morar com o pai do menino. Como ele batia muito nela, resolveu separar-se, até conheceu outra pessoa no qual viveu cinco anos. Segundo ela, anos muito bons, porém, nos últimos dois ele a abandonava constantemente. Um dia, grávida de sete meses do seu segundo filho (Jhonatan), seu marido não apareceu mais em casa.
 
Ela passou por várias situações, muitas dificuldades e necessidades, chegando a aceitar ajuda de vizinhos, mas que nem sempre auxiliavam. Ela nunca desistira dos seus filhos. Passou por tudo isso e ainda corria atrás para não lhes deixar faltar nada.
 
Ouvindo a história dessa mãe, por dentro eu chorava, sabendo que muitas mulheres já passaram ou passam por isso, os companheiros na grande maioria pulam fora dos relacionamentos.
 
Mais o que me fez parar naquele barraco foi o olhar do Jhontan, pois bem, entre um bate papo e outro, ele interrompe a nossa conversa e diz:”Tia eu te conheço, você pinta, né? Queria muito um desenho seu aqui na parede do meu quarto, para todo dia quando for dormir eu ficar olhando”. Aquele pedido me desmontou – tanta coisa para pedir, tanta coisa que poderia ser ofertado e ele querendo uma pintura minha. Esse pedido está até agora na minha mente.
 
Só depois desse pedido estou percebendo o quão forte tem sido o impacto do que estou fazendo aqui no Alemão. Tenho visto o agradecimento de muitas pessoas pela rua e isso tem sido um combustível que tem me alimentado diariamente.
 
Sim, um simples gesto pode mudar a realidade ao seu redor e influenciar de forma positiva, quando o bem é mostrado e feito com carinho e amor. Que esse ano que está chegando, possamos agir mais, fazer mais em favor do próximo, que 2017 possamos colorir mais o mundo, isso é possível.
 
* Esse texto é uma experiência vivenciada pela artista plástica Mariluce Mariá, que é moradora do Complexo do Alemão e está colorindo a favela onde mora.
 
Feliz Ano Novo a todos!