Eu não quero um ingresso olímpico

A pira olímpica está prestes a ser acesa.

O momento é critico e preocupante. O plano de envergonhar o Brasil mundialmente está prestes a ser consumado de forma apoteótica e televisionada para o mundo todo. As armadilhas que foram arquitetadas para surrupiar o nosso país parecem ter dado certo nos palácios da nação, nos recônditos das salas secretas do Congresso Nacional, são de deixar qualquer mega traficante do crime no chinelo. Tudo foi pensando de forma sorrateira e cruel; viram que os neófitos políticos do Brasil são de fácil manipulação e gostam muito de dinheiro. Foi armado um plano que, na minha opinião, já estava em curso desde a era Vargas: o de nos roubar o que ainda nos resta, nossas riquezas minerais, e se apropriar das nossas reservas de mata atlântica e solo fértil.

Os nossos governantes políticos são uns ávidos e incautos. Eles não suportam ver sequer um pirulito de criança fácil que eles pegam, são sempre capazes de tomar. Fizeram acordos escusos, na iminência de faturarem por meio de desvios de grandes somas de dinheiro, a partir do vislumbre da corrupção – isso tudo através de grandes obras sem licitações que foram feitas para os megaeventos. As grandes empresas, sabendo disso, armaram uma arapuca e os envolveram na teia da corrupção. Dossiês e gravações ilegais sem autorização foram feitas sem rédeas. Isso tudo se deu em âmbito nacional, na esfera federal. Deu-se início em Brasília e o desfecho dessas maracutaias terá um triste desfecho no apagar do fogo olímpico, com o encerramento dos Jogos Olímpicos.

Passou a Copa do Mundo e mais obras vieram. Jornada Mundial da Juventude? Mais obras de estrutura. E vieram então os preparativos para o gran finale, os Jogos Olímpicos Rio 2016, algo jamais visto por essas bandas da América Latina; algo esplendoroso e belo no imaginário teórico dos organizadores que irão lucrar bilhões com tudo isso. Começou então uma corrida contra o tempo e contra todos. Os mais sórdidos meios estão sendo usados para que esses Jogos infelizes aconteçam. Usaram a grande mídia para manipular as pessoas e convencê-las de que seria bom para imagem do país. Fizeram decretos a toque de caixa, assinaram várias sentenças sem ao menos desconfiar dos resultados. Foram vários apertos de mãos selando o destino de muitos. Remoções foram feitas, pessoas foram separadas de suas origens sem pedir. Militarizações foram realizadas sem o planejamento adequado, muito sangue está sendo derramado, pessoas estão sendo exterminadas nas filas e nos leitos dos hospitais, dos quais a verba, que era da saúde, foi desviada para cobrir outras áreas de interesse do megaevento. Crianças, adolescentes e jovens estão sem estudar, pois as escolas e universidades pararam: os professores não recebem os seus salários, servidores de outras áreas básicas do Estado estão em estado de total abandono… O que fizeram com o Estado do Rio de Janeiro?  Um Estado ontem rico, agora falido. Tudo em nome de quê?

O estado de desespero e pânico instalado na área da segurança é o mais assustador. A violência tomou conta de todos os locais. Mortes brutais acontecem sem cerimônia a qualquer momento e em qualquer local. Roubos e assaltos no Centro da cidade dita olímpica viraram brincadeira dos horrores. Vejo aqui, na favela onde moro, amigos e vizinhos sendo exterminados como em um genocídio sem controle. Isso me faz lembrar a higienizarão social de um daqueles filmes hollywoodianos. O pavor do som dos tiroteios diários são uma espécie de ataque ao psicológico dos que aqui vivem. É uma verdadeira guerra urbana, um massacre com patrocínio estatal pago com o nosso próprio dinheiro. É como se cada um aqui comprasse sua própria bala, a mesma que vai nos matar. No território onde vivemos existe uma disputa territorial financeira. O Estado sabe de tudo e não faz nada, deixa correr solto.

Vivemos um pesadelo. São dias terríveis de muitas incertezas e medo.  Não sabemos o que vai acontecer daqui a alguns minutos a nossa frente. É simplesmente devastador. Enquanto isso, uma pequena parcela do Rio já começa a festejar os tais Jogos Olímpicos. A propaganda que se vende nas TVs é de uma cidade feliz, com BRTs e VLT: áreas maquiadas. Sabe-se lá como vai ser quando as faturas começarem a chegar, seja da Transolímpica, das passarelas que caem, dos túneis esburacados ou dos teleféricos vazios num cartão postal inóspito e sombrio, onde balas voam e até o Cristo Redentor tem que usar colete à prova de balas…

Quem deve lucrar com isso? Seriam os investidores das chamadas PPP (Parceria Pública Privada)? São eles que se tornarão donos do nosso solo a preço de banana? Afinal, somos chamados assim aí fora: um país literalmente de bananas. Este será o nosso maior legado olímpico: o bilionário americano Donald Trump ou, quem sabe, o megainvestidor George Soros se tornando os donos da parte nobre da cidade, a área na qual eles investiram emprestando dinheiro à Prefeitura. Em troca, ganharão o Rio de presente. Assim será?

Só quero informar uma coisa: não me ofereça um ingresso olímpico. Não farei parte desse circo que foi montado às custas do suor de cada brasileiro, de cada morador desta cidade que hoje encontra-se no caos total.

Cada ingresso está sujo de sangue, do nosso sangue, do sangue de cada preto, pobre, favelado e periférico dessa Cidade Partida. Cada ingresso está marcado pela dor daqueles que trabalharam como escravos para que tudo isso pudesse se realizar. Cada ingresso tem estampado nele o símbolo da morte, das mortes daqueles que perderam as suas vidas por omissão das mais diversas formas, seja no dinheiro desviado dos hospitais, bem como no dinheiro que comprou a bala do fuzil 762 ou da .380 que esfacelou muitos. Eu não quero um ingresso olímpico.

Cada ingresso tem o sangue de um filho e o choro de uma mãe, vítimas da brutal onda de violência que assola o Rio Olímpico. Eu não quero um ingresso olímpico.

Cada ingresso tem o choro e desespero de quem teve a sua casa removida para dar lugar às obras olímpicas. Eu não quero um ingresso olímpico.

Cada ingresso está marcado com a vida dos que foram mortos nas operações militares para ocupar os locais por onde as comitivas irão passar com toda pompa e circunstância. Eu não quero um ingresso olímpico.

Cada ingresso poderia ser o prato de comida que está faltando na mesa de milhares de cariocas hoje, na mesa de milhares de servidores que não estão tendo o que comer, que não estão tendo como sobreviver nessa cidade que exclui os seus. Eu não quero um ingresso olímpico.

Cada ingresso poderia pagar o dia de aula dos milhares de alunos que perderão um ano letivo nas escolas estaduais e nas universidades, que estão vendo seus sonhos sendo subtraídos em troca da alegria de quem nem daqui é.
Eu não quero um ingresso olímpico.