ÉTICA E INTERESSE

Esses dias, no metrô ouvi aquela voz que anuncia as estações e repreende os usuários, dizendo que o passageiro deveria posicionar sua bolsa em local que não atrapalhasse a circulação do trem superlotado, e ainda dizia no final “Seja educado. Fazer uma boa viagem depende de você!”, quer dizer, a empresa não precisa colocar suportes de mochila para os passageiros, nem mesmo melhorar a circulação dos trens para que funcionem de forma mais humana. A empresa diz que a culpa é do usuário. Essa metáfora viva sugere que o povo ignorante precisa entender a legitimidade da explicação de uma instituição superior. É nesse sentido que as discussões vêm prontas, já vêm até com suas possíveis críticas. Não há estímulo à dúvida, isso mantém a contradição escondida. O paradoxo que nada mais é que a contradição que a tudo abrange, também virou instrumento nas mãos da razão lógica: a contradição iluminista serve para se alcançar a verdade. E é em nome da verdade que continuamos a cometer atrocidades. A verdade ao extremo, a intolerância, o fascismo.
É imprescindível que se haja a verdade, claro, é sobre ela que montamos a sociedade. É igualmente imprescindível que tenhamos consciência que essas verdades são inventadas, logo, mutáveis. Na verdade, mudanças são necessárias, as coisas devem ir se adaptando às transformações do mundo e às necessidades que se apresentam. Mesmo entendendo disso tudo, defenderei minha posição como universal; mesmo sabendo que não há generalização em indivíduos, afirmo que o paradoxo é o suporte social humano; mesmo acreditando que o sujeito se pronunciará segundo seus parâmetros, digo que a contradição é o manancial de onde brotam interesses e éticas. Creio mesmo na contradição, talvez seja ela a essência do universo, logo, está na constituição de tudo, nas instituições, nas sociedades e nos indivíduos.
O interesse individual em conflito com a ética: assim é formado o corpo social. Os indivíduos caminham com a sociedade e a cultura vai se moldando nesse “jogo de contradições”. Marx chamou a contradição social de “luta de classes”. Ele dizia que o proletariado só era explorado porque ignorava a situação, e que quando entendessem a lógica da luta de classes, se emancipariam. Eram a maioria esmagadora da sociedade –poderiam despedir o patrão. Mas a necessidade prática sobrepõe-se às questões ideológicas; a fome bate antes, não dá para esperar a revolução. Essa é a regra.
Creio muito na revolução, mas para que ela ocorra é imprescindível uma coisinha simples e total: UTOPIA. É o sonho de uma realidade melhor que faz indivíduos abrirem mão de interesses individuais em prol de uma mudança social. E o velho filósofo Karl Marx sabia bem disso, sua utopia era uma sociedade de indivíduos iguais, ou seja, uma sociedade de indivíduos que sempre agiriam pela ética.
Quando a utopia vira realidade pode ganhar a alcunha de engano, pois sua força transformadora vive enquanto é sonho. O grande ganho social se dá no percurso que se faz na direção da Utopia. Quando a utopia marxista vira o comunismo russo, até Marx deixa de ser marxista. Foi o sonho comunista que mudou o modo de ver o mundo no século XX. Nossas escolas e demais instituições são reflexos da sociedade, são tecnicistas, mercadológicas e positivistas: não são belas, não fazem sonhar. Quem tem uma verdadeira utopia para compartilhar?