Entrevista: Thiago Firmino, empreendedor do Santa Marta

Créditos: Reprodução Internet

Ligado no 220 V: o empreendedor Thiago Firmino não para. Quando não está agitando passeios turísticos com gente do mundo todo, participa de fóruns e eventos no Brasil e no exterior, divulga pessoalmente seu trabalho em outras partes do Rio, assiste a palestras na internet, faz cursos, escreve sobre a comunidade nas redes sociais… Ainda sobra tempo para seguir na batalha como motorista de Uber Black, a classe mais top do aplicativo de transporte privado.

Nascido e criado no Santa Marta, Thiago teve há mais de uma década o clique que mudaria a sua vida: queria ser dono do próprio nariz e do próprio negócio. Abandonou a paixão pela dança de salão e o trabalho fixo de anos como professor em projetos sociais para criar o Favela Santa Marta Tour, empreendimento do qual tira seu sustento e que ajuda a movimentar a comunidade com eventos e parcerias com outros empreendedores locais. O ator e cantor norte-americano Jared Leto e o jogador de basquete da NBA Carmelo Anthony foram algumas das celebridades que subiram o morro ao lado dele. O bom trabalho o fez, inclusive, participar do revezamento da tocha durante os Jogos Olímpicos Rio 2016.

Pai solteiro de um filho de 15 anos, Thiago já prepara o herdeiro para assumir seus negócios e investe na formação do menino com cursos de inglês. Afinal, investir no futuro é com ele mesmo.

 

A Voz da Favela: Como enfrentar a crise sendo empreendedor de favela?
Thiago Firmino: Acho que (o importante) é não ficar parado. A gente tem muitas oportunidades para atuar como empreendedor de favela. Tem que estar antenado na tecnologia e o tempo inteiro estar se renovando. Isso é fundamental. Você não pode estagnar ou vai morrer na praia. É perseverar e se planejar. O que eu vejo de gente se afundando… Hoje, eu estou ganhando muito, amanhã pouco. Então, divido para o mês seguinte e assim eu consigo manter o padrão. Sou administrador sem ser. É preciso trabalhar e se mexer. Entender essa crise e tentar sambar conforme a música, fazer concessões também, acertar de um jeito que fique bom para você e para o cliente, mas sem perder a qualidade. Tem que ser justo.

 

AVF: O empreendedorismo na favela melhorou ou piorou com o período das Unidades de Polícia Pacificadoras?
TF: A vinda da UPP para o Santa Marta melhorou as coisas para nós, enquanto empreendedores. Não tem como dizer que não. A favela ganhou visibilidade, não só por conta da UPP, mas dos moradores e de suas histórias. Hoje, a gente consegue trabalhar dentro de casa e espera que continue, porque o nosso trabalho depende muito da comunidade estar numa vibe legal. A partir do momento em que eu trabalho com guias locais, estou fortalecendo não só o Santa Marta, mas toda a economia das favelas. Planejo fechar parcerias em 2017 com Rocinha e Vidigal. Como a gente está em rede, tem contato com outras favelas, estamos em negociação. Vai que daqui a cinco anos a UPP acaba de vez e ficamos sem condições de trabalhar? Tem que pensar no futuro.

 

Quando você trabalha com amor, acaba deixando de ser trabalho

 

AVF: Qual é o maior desafio para empreender?
TF: Ser empreendedor é muito difícil, mas, sabendo trabalhar, separar “grana”, trabalhar com os seus limites de gastos, dá para ficar tranquilo. É fundamental divulgar muito o seu trabalho. Às vezes, eu saio daqui e vou para a entrada do Cristo Redentor “filipetar”. O pessoal diz: “Você é empreendedor de sucesso, não pode fazer isso”. Eu vou ter vergonha de quê? O trabalho é meu. Eu tenho o exemplo da minha família. Minha mãe trabalhou tanto, por tantos anos, para hoje ganhar um mísero salário mínimo. Tem uma vida simples. Pensei: “Não quero isso para mim, não. Vou ser empreendedor”. Até porque, quando a gente tem patrão, tem que acordar cedo, sair na chuva do mesmo jeito. Por que não posso fazer isso para mim? Eu sou um sistema, faço tudo sozinho.

 

AVF: Qual é a importância da formação para quem quer atuar nessa área?
TF: Sou muito grato. Na favela, a gente tem muita oportunidade. Desde novo, eu aprendi muita coisa. Tudo que chegava à favela antigamente eu fazia, até curso de informática. Sempre fui assim, nunca ficava parado, desde moleque. Sempre pensava em aprender. Sabia que algum dia iria usar. Aprender nunca é demais, e eu levo isso para minha vida inteira. A gente tem muita coisa pela internet, vídeos que vão dando alguma direção, que vão norteando. Fico com o fone uma hora assistindo aos live videos de gente como o (empresário) Pedro Superti. Eu pego muitas dicas assim, vendo coisas no site. Eu ouço bastante coisa, filtro e dou uma direção do meu jeito.

 

AVF: Você se inspira em alguém na área de empreendedorismo?
TF: Quem me ajudou muito foi a Sheila Souza, aqui do Santa Marta. Foi ela quem começou a fazer o trabalho de tour aqui. Ela foi minha professora. Ela trabalhou muito com a gente na área de arte e cultura, e eu fui seguindo os passos com ela.

 

Você pode sair uma semana e a empresa continua funcionando. Não adianta só trabalhar 24 horas por dia e não ter tempo para nada.

 

AVF: Uma curiosidade: empreendedor consegue tirar férias? Você consegue?
TF: Claro. Turismo é de segunda a segunda, não tem feriado. Mas, hoje, por ter encontrado uma fórmula de sucesso, posso fazer essa graça. No momento que quiser, posso falar: “Não quero trabalhar hoje, só semana que vem”. Sempre tiro folga também. Em dia de semana, se estiver mais tranquilo, eu até vou à praia. Vida de empreendedor é isso: chega o momento em que você pode sair uma semana e a empresa continua funcionando. Não adianta só trabalhar 24 horas por dia e não ter tempo para nada.

 

AVF: Que conselho você dá para quem quer começar a empreender em suas comunidades?
TF: Tem que saber o que realmente gosta de fazer, com o que se identifica e quer trabalhar. Quando você trabalha com amor, em algo de que você gosta, acaba deixando de ser trabalho. Tem dias em que estou aqui num domingo de sol, trabalhando e me divertindo, fazendo contatos. Tem que ser o melhor que você puder ser, dedicar-se e se especializar no que for possível, assistir a muitas palestras, visitar eventos, fóruns ligados ao que você quer fazer e meter a cara. Também é preciso saber onde divulgar o seu produto. Eu vejo muita gente boa parada, achando que as coisas vão chegar até elas. Eu divulgo, pago anúncio na internet. Eu vejo poucas favelas divulgando os seus produtos em pontos turísticos, por exemplo. Não tem que ter vergonha, tem que ter coragem, arriscar. Tem que saber administrar, conhecer os momentos de baixa do mercado, que são naturais. Se eu não me mexer, quem vai se mexer por mim? Eu sou o meu próprio negócio, porque eu não tenho patrão. Além disso, é preciso ficar sintonizado, “ligadaço” no que está acontecendo. A favela tem que ir muito para a rua divulgar o que existe aqui. As pessoas querem que as oportunidades te cacem aqui dentro para fazer acontecer. Não, bicho, vamos sair, vamos para a rua. Assim, todo mundo ganha, eu posso contribuir para a associação de moradores e fazer as minhas ações sociais. Eu quero mais o quê? É um trabalho dos sonhos que requer muita dedicação.

Publicado na edição de Janeiro de 2017 do Jornal A Voz da Favela.