Elogio a Madalena

Créditos: Charlotte Dafol

“Fui criada por duas mulheres muito fortes e sábias”, me disse Madalena.

A mãe trabalhava o dia todo. O pai vazou logo cedo. Foi praticamente criada pela avó. Teve uma boa infância no bairro de Jacarepaguá. Brincou muito.

Sua avó era de uma sadedoria ímpar. Pouco estudo, alfabetizada na roça, vinda do Paraná, com a mãe de Madalena ainda criança. Agradece à avó, que tinha pouco estudo, pelo gosto pela leitura.

Tem boas memórias da escola pública, a professora primária maravilhosa, uma sorte enorme.

No Ensino Médio, foi estudar à noite, pois conseguiu um estágio de Jovem Aprendiz. Sempre gostou de estudar e nunca deu trabalho à mãe neste quesito.

Quando terminou o Ensino Médio, Madalena engravidou. Chegou a prestar vestibular para a UERJ, mas sua cabeça, naquele momento, estava confusa. Largou os estudos. Casou e resolveu dedicar a vida à família.

A certa altura, resolveu voltar a trabalhar. Num certo dia, enquanto trabalhava de operadora de brinquedo no Parque Terra Encantada, sua amiga de função trouxe a notícia de um concurso para a vaga de merendeira. Na época, elas estavam buscando vários concursos pra fazer. A amiga ficava incentivando: “Vamos fazer! Vamos fazer!”.

“E nós nos inscrevemos em vários concursos. Fizemos a prova e eu passei. Acabou que ela não passou e eu passei. Isso foi em 2002. E estou na mesma escola desde então”, explica.

A escola fica localizada no Pechincha, numa rua de classe média alta, segundo Madalena. Os alunos, em sua maioria, moram nas comunidades do entorno: Complexo da Covanca, Bateau Mouche, Cidade de Deus, Caixa D’agua, Morro São José Operário, Chacrinha, IPASE e também Gardênia e Rio das Pedras.

Em 2017, Madalena completou 15 anos trabalhando na E. M. General João Mendonça Lima. Madalena adora sua escola. Reconhece que há um grupo de professores engajados, aguerridos, que acreditam na mudança e na capacidade dos alunos. Sabe também que nem todos são assim… Tem a turma do “não vai dar certo, não vai prestar pra nada”.

A diretora, segundo Madalena, é dedicada, ama o que faz, gosta dos alunos, luta pela escola, é excelente.

Uma tarde, num final de semana, Madalena e seu irmão Celso passeavam pelo Centro da Cidade quando se depararam com uma apresentação na Cinelândia. Aproximaram-se. Era uma orquestra formada por jovens de comunidades cariocas. Madalena ficou maravilhada. Olhava os músicos tocando seus instrumentos e imaginava os alunos de sua escola ali.

Voltou decidida. Decidida a fazer alguma coisa. Mas logo a decisão virou dúvida: fazer o quê? Começar por onde? Resolveu sondar a diretora.

– Se eu conseguir fazer contato com pessoas ligadas a arte e cultura e trazer pra cá, a senhora me autoriza?

– Claro que sim. Pode fazer.

Madalena começou a pesquisa pela internet. Vasculhou projetos e iniciativas, mandou e-mails, contando a história de sua escola e procurando parcerias: alguém para dar uma palestra, fazer uma apresentação, dar uma força! E os parceiros foram chegando: Orquestra da Maré, Ocupa Escola, Grupo de Dança da CUFA e outros.

Na escola, apesar do incentivo da diretora, também enfrentou preconceito.

– Muita gente pensa: ‘Ah, uma merendeira!’. E não levam a sério, infelizmente. Mas eu não tô fazendo pra eles, tô fazendo para os alunos.

Madalena foi incumbida de levar dois alunos da escola em uma apresentação. Chegando lá, encontrou muitas representantes da Secretaria. E foi se informar, perguntar como levar projetos culturais para sua escola, o que poderia ser feito. Enquanto descrevia o que estava planejando, sua interlocutora perguntou:

– Você é coordenadora?

– Não. Sou merendeira.

– Nossa, você fala como uma coordenadora pedagógica.

Madalena achou o comentário engraçado e seguiu suas articulações.

“Fui fazendo um contato aqui, outro ali. E as pessoas foram muito solidárias, foram respondendo prontamente. Eu fiquei assim, muito surpresa. Porque eu achei que ia ter dificuldades, nunca tinha visto isso na minha escola. Eu imaginava que era difícil conseguir. E, no entanto, quando eu comecei a buscar, as respostas vieram tão prontamente que eu fiquei muito surpresa, mas muito feliz”.

Na verdade, estou contando tudo isso para chegar justamente neste ponto. Madalena, que há 15 anos trabalha nesta escola, como merendeira, neste ano resolveu botar a mão na massa e construir uma Maratona Cultural, que se realizou com pleno êxito no dia 20 de outubro de 2017.

Madalena articulou parcerias, mobilizou alunos e professores, atraiu artistas e grupos e fez acontecer um dia memorável em sua escola. Teve Orquestra Maré do Amanhã, Contação de Histórias Africanas, Nando Brandão, Grupo de Dança da CUFA e do Colégio Estadual Brigadeiro Schorcht, oficinas de teatro, cordel, apresentação e exposição de alunos, palestra sobre nutrição e psicologia, oficina de bordado com a professora de Artes, um dia inteiro de atividades, ocupando toda a escola.

Madalena, a merendeira, preparou um banquete cultural, afetivo e artístico que alimentou a todos os presentes, que saíram satisfeitos, radiantes e querendo mais.

“Agora, eu espero não parar. Eu falei pra minha diretora: ‘a gente lançou uma sementinha’. Agora, temos que regar, cuidar, colher os frutos.”

“As crianças se ofereceram, chegaram junto pra ajudar, fizeram todos os cartazes. Essa é a melhor parte. Você ter esse contato com eles, você escutar eles falando a respeito deles mesmos. Aí você entende muita coisa, você escuta, eles se abrem: ‘Eu posso confiar na tia, eu posso abrir meu coração’. Depois, no final, eles vieram me agradecer: ‘Tia, eu nunca vi nada igual!’. É muito gratificante, eles gostaram de tudo, eles vieram perguntar quando tem mais, eles querem ver as fotos.”

Sobre o irmão Celso, parceiro na empreitada, ela diz: “Ele foi espetacular com as crianças. Ele comandou o show! As crianças adoram ele! Ele nem trabalha na escola comigo, mas ele já é conhecido. Ele está me ajudando a fazer a página, colocar os vídeos e as fotos. As crianças já falam como se ele trabalhasse lá”. Madalena sorri.

“Durante a maratona foi como se eu tivesse corrido uma Maratona”, finaliza ela.

Por isso este texto é um elogio a Madalena. Eu já tinha resolvido intitular esta coluna assim antes de conversar com ela.

Eis que ao fim da conversa, Madalena me diz:

“As pessoas vieram me elogiar, eu fico até sem graça de falar. O elogio vem e eu não tenho preparo pra receber”.

Então se prepara, Madalena, porque não podemos, neste mundo, nesta cidade, deixar jamais de elogiar pessoas como você.

Viva Madalena! Um viva a todas as Madalenas que estão fazendo a diferença nesta cidade embrutecida e desorientada. É pela escola que devemos recomeçar. E através da arte e da cultura vamos avançar.

Elogiem as Madalenas que vocês conhecem! Que elas se multipliquem.

 

Créditos: Charlotte Dafol
Créditos: Charlotte Dafol