Digitalia casa música e política em Salvador

Entre 30 de janeiro e 3 de fevereiro aconteceu a 3ª edição do Digitalia em Salvador. O festival de música, cultura, e política se constituiu de diversas palestras, mesas de debate e apresentações musicais, em diversos espaços culturais da cidade. O propósito em comum de todos e todas envolvidos(as), em meio a tanta diversidade, foi conversar e viver a retomada de espaços virtuais e urbanos, por artistas, músicos e ativistas, na atual conjuntura política.

No ICBA (Instituto Goethe), dia 31 de janeiro, uma mesa de conversa com Uriel Castellanos e Pedro Jatobá me chamou a atenção em meio de muitas outras palestras fascinantes. Considerando a transição político-representativa que estamos vivendo hoje no Brasil, e também na Venezuela, o trabalho desses dois homens dialogam de uma forma muito simbólica para nós hoje, que consumimos e produzimos mídia e arte diariamente.

Em meio a tantas tragédias ambientais, e inseguranças em relação à legitimidade do processo eleitoral por conta da mídia digital, esses diálogos trazidos pelo Digitalia são essenciais para formarmos redes de resistência. Enquanto Castellanos trouxe questões, Jatobá nos apresentou soluções para nossa condição; uma condição que muitas vezes nos deixa desamparados(as) não só como artistas, mas sobretudo como seres vivos nessa Terra.

Uriel Castellanos, que no momento faz doutorado na FACED (Salvador) mas volta regularmente pra sua cidade natal na Venezuela, falou da importância do acesso à informação na internet- um direito garantido na constituição da Venezuela de 1999 (período de Chaves). Hoje, a grande maioria (72%) das publicações acadêmicas na web está protegida por uma paywall. Contratos que disponibilizam uso livre de certos aplicativos (como zap), enquanto não à internet como um todo, infringem os direitos de neutralidade na web. Universalizar o acesso à informação também exige o acesso à tecnologia. E a divulgação dos dados internos de vistoria de grandes companhias, como a Vale, também é tanto uma responsabilidade delas como um direito nosso.

Em uma conversa que tivemos depois da mesa de debate, eu quis saber mais sobre se a constituição venezuelana foi bem sucedida nesse sentido. Castellanos disse que essas leis e instituições internacionais de direitos humanos fazem um trabalho importante. Porém, concordamos que apenas até o ponto de que elas são melhores do que nada, porque não conseguem ser eficazes em suas tentativas. Simplesmente os direitos e as leis não são respeitados.

Continuamos explorando a ideia de como ele acha que será agora, com a presente transição executiva. Para ele, Maduro não foi legitimamente eleito, e sim Guaído que foi eleito pelo o povo (mesmo que indiretamente, por ter sido votado por pessoas que foram eleitas pelo povo). Ademais, a esperança é que a falta de alimentos será combatida e a transparência das autoridades governamentais será estabelecida pela verdadeira democracia.

Muito da atmosfera na sala foi ocupada por um senso palpavelmente anti-capitalista e descolonial. Enquanto por um lado Uriel expressou que a era de Maduro não foi socialista, Pedro Jatobá apontou efetivamente que o período colonial não acabou, se adaptou. Em outras palavras, é muito difícil imaginar uma conjuntura política em um país que foi colonizado, que existe hoje de forma independente de autoridades ocidentais.

A caravela não vem mais aqui, “o espelhinho que a gente recebe é outro”, disse Pedro. São as telas; são as redes sociais e as plataformas para as quais nós damos apelidos carinhosos, e que consomem os sonhos da nossa juventude.

“Nós somos cobaias de um projeto de inclusão digital.” (Pedro Jatobá)

Com que tipo de inclusão nós estamos lidando? É um processo de inclusão em um sistema explorador, que se apropria e capitaliza dados e conteúdos que compartilhamos na web. Por exemplo, o YouTube, que se propõe ser uma ferramenta gratuita de inclusão e oportunidade, na realidade é uma companhia que usa os recursos oferecidos para a população como ferramenta pra se apropriar (juridicamente e financeiramente) de tudo que é compartilhado ali. Basta ler os termos de uso (seção 6C); Quando concordamos, abrimos mão de direitos de autoria do que postamos ali. Isso não quer dizer que devemos boicotar tais plataformas. Elas tem um poder que pode ser usado conscientemente; como para direcionar pessoas pra nossos próprios canais, por exemplo.

Pedro apresentou uma série de plataformas online, nas quais ele está envolvido, que fornecem exatamente isso. O portal iTEIA, por sinal, é um ótimo lugar pra criar um canal similar ao do YouTube, mas sem comprometer sua integridade autoral. Foi um momento lindo quando uma artista de hip hop na audiência descobriu o iTEIA, e viu que existem sim alternativas ao YouTube, e que existem outras formas de disseminar seu trabalho sem abrir mãos de seus direitos.

Além do iTEIA, Pedro apresentou outros sites, como o Rios, que fornecem diversos serviços que visam proteger usuários; incluindo moeda social e economia solidária, trabalhos colaborativos e em rede.

Produção cultural é essencial para fortalecer redes de resistência e solidariedade. Não basta acessar, precisamos saber ocupar de forma empoderadora. A emancipação do povo acontece com a nossa liberdade de acesso, interpretação, e expressão. Pela arte, e pela música, expressão é tanto um veículo de empoderamento pessoal, quanto uma ferramenta de fortalecimento de nossas comunidades. E esse empoderamento vai muito além do voto e das mídias sociais como participação política. Atinge profundamente a relação da nossa existência individual e social.

Entrevista Podcast disponível aqui:

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