Crise e projetos sociais: não deixe a solidariedade morrer

Crianças do projeto de balé Vidançar, localizado no Complexo do Alemão (Créditos: Divulgação)

Não é segredo pra ninguém que a crise político-econômica que atinge o Brasil desde 2014 causa prejuízos aos mais pobres. Mas, além de pensar objetivamente em inflação e desemprego, há um aspecto que poucos enxergam de pronto: a extinção de diversos projetos sociais, principalmente nas favelas. Muitas são as ações da sociedade civil que passam por sérias dificuldades hoje. Isso significa menos oportunidade em educação, conhecimento e benefícios sociais para uma parcela significativa da população.

Muito diferente do que supõem os sabichões da internet, as organizações não-governamentais e filantrópicas existem para chegar aonde o Estado não chega – não para “mamar nas tetas” dele. As ONGs não podem ter lucro e vivem sob um rígido controle de prestação de contas para quem ali investe seu quinhão. Aquelas que fazem um trabalho sério – a grande maioria, apesar da campanha negativa do noticiário – prestam serviços incalculáveis à sociedade.

Mas tem sido cada vez mais difícil sobreviver diante da economia especulativa do momento atual. Com editais públicos congelados e a excessiva cautela das empresas em investir em responsabilidade social, diversas iniciativas importantes estão sendo soterradas. É o caso do Vidançar, do Complexo do Alemão, projeto belíssimo de balé que agora navega à deriva e recorre ao crowdfunding (a velha “vaquinha”) para tentar sobreviver.

O Vidançar está há oito anos na Nova Brasília. O sucesso pode ser resumido nos casos dos cinco jovens que saíram da favela para estudar diretamente na Escola Bolshoi, uma das mais prestigiadas do mundo, e para dançar no Theatro Municipal do Rio, um dos mais tradicionais do Brasil. O projeto está desde o início do ano sem patrocínio e aguarda para firmar convênio, já em tramitação, com a Prefeitura, que se sensibilizou com a situação através da Secretaria Municipal de Cultura. Mas até lá, há contas atrasadas, um aluguel que dobrou de preço – ah, a especulação imobiliária que também já subiu o morro… -, professores e colaboradores sem salários e 200 crianças em risco de verem seus sonhos naufragarem junto com a economia do Estado.

No Alemão e em diversas outras favelas, há projetos encolhendo, reduzindo custos para arcar com recursos básicos. Muitos estão indo ou já foram pelo ralo, como a Biblioteca Comunitária Nélida Piñon – a única da Kelson’s -, a Escola Popular de Comunicação Crítica do Observatório de Favelas (ESPOCC) na Maré e até a gigante Fundação Xuxa, que atende a crianças e jovens em Pedra de Guaratiba e ameaça fechar as portas. É importante lembrar que as iniciativas periféricas também foram duramente afetadas com o encerramento das Bibliotecas Parque do Alemão, Manguinhos e Rocinha e o atraso no repasse de verbas de fomentos e editais tanto da SMC quanto da Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro (SEC-RJ).

Além dos prejuízos à população, é desesperador o quadro de desemprego entre os profissionais do Terceiro Setor no Rio, Estado que concentra 80% dos postos de trabalho fechados no país, segundo dados do próprio ministério. Para trabalhar nesta área, é preciso acreditar no que faz, antes de mais nada, e é essa resiliência em prol de um ideal que mantém de pé muitos projetos. Ainda assim, não param de crescer as demissões nas organizações sem fins lucrativos.

Vivemos um verdadeiro desmonte. A sociedade civil precisa ver os resultados e se unir para impedir a morte por inanição de tantas ações transformadoras. Do contrário, nos aguardam tempos ainda mais dolorosos e sombrios nessa cidade que, diariamente, só faz sangrar.