Como votar no Presidente da República?

Bandeira do Brasil - Créditos: Reprodução Automática

O PAI DE FAMÍLIA
Aquele homem já foi mais novo.
Chorava pelo filho que acabara de nascer num quarto de hospital do Rio de Janeiro.
Amou, cuidou, viu cheio de graça nascer o primeiro dente de leite. E tudo ia bem, as dificuldades pareciam ao todo superáveis. Ele se sentia invencível pois tinha o amor de suas filhas, esposa, aquela que lhe deu os bons beijos da juventude, e ao aceitar se casar disse “sim” para uma eterna jovialidade que tinha início, mas ainda não tinha fim, portanto ainda não era imortal. Parecia ser eterna.
Pobre homem.

O TAL “DOIDÃO”
De outro lado um homem cheio de atitude. Vestia roupas pouca coisa mais limpas do que o seu passado.
Roubou um táxi de um trabalhador que se considerava num dia de azar por ter conseguido menos que duas corridas. Se fosse só esse seu azar!
Na boca do povo ele era o “doidão”, e tinha acabado de cheirar, chateado porque ninguém aceitava seu currículo na pista, sua mulher não podia trabalhar porque cuidava de três filhos, e a boca de fumo tinha chegado no limite; e o doidão pôs-se a cheirar do próprio pó que ele varria debaixo do tapete.
Rodou!
Saiu pilotando alucinado com a ideia de que ao chegar em casa sua mulher estaria morta e que talvez aqueles homens do tráfico tivessem poupado as crianças.
E isso ele só veria se tivesse a chance de passar invisível pelas vielas.
Difícil.
Ao ver um pai de família pedindo um táxi na frente de um restaurante da orla de Copacabana teve um estranho impulso de diminuir a velocidade. O homem entrou.
A polícia já tinha sido acionada, mas ele deixou aquele homem, sua esposa e seu filho entrarem no carro e fingiu que tudo seria uma simples e normal viagem.
Pobre homem.

O PRESIDENTE
Em seu gabinete, o senhor Presidente da República penteava seus cabelos para trás enquanto sua mulher o observava de pernas cruzadas.
“Belas pernas”, ele observou.
Ela deu uma risada sem graça e se lembrou vagamente do dia em que um ex-namorado da adolescência lhe disse que ela tinha pernas horríveis. Se sentiu gorda e impossível de ser amada, mas decidiu mudar de vida e sua dedicação com o corpo tornou-se prioridade, ou melhor: fissura.
O Presidente olhou alguns papéis que ele mal sabia o nome, mas entendia como se fossem “relatórios”. Ele estava com outras prioridades como a situação econômica do país que ele construiu em sua cabeça. Algo que envolve diretamente o seu bem-estar.
A presidência era apenas um status para que sua vida pessoal tivesse uma conquista relevante para exibir aos outros.
Aquele homem, hoje presidente ficou cego pelo poder que conseguiu. Mas se diz feliz pela família de mentira que construiu pra conseguir provar para seus pais coisas que foram engolidas enquanto eles ainda eram os donos da casa.
Pobre homem.

Avenida Atlântica, altura do posto cinco.
O pai de família pediu um táxi. O jantar com a família foi bom, mas até a Gávea o caminho era chão.
“Um motorista negro, tudo bem. Vamos lá.”
Entrou no táxi na parte da frente. A esposa entrou atrás com o filho no colo.
O motorista travou as portas e deu violenta partida, acelerando mais que o necessário. Ele parecia cheirado.
O pai de família olhou tenso para o retrovisor e encarou o rosto da esposa.
“Pra onde?”, perguntou o motorista enquanto as janelas subiam para fechar.
O pai de família respondeu:
“Nós vamos descer!”
O motorista sacou a arma do bolso do casaco enquanto a mão esquerda controlava o volante.
“Carteira, bolsa, tudo aqui!”
A mulher gritou, a criança começou a chorar.
Ao perceber que as viaturas, aqueles carros mais velhos do que os que as pessoas costumavam comprar nas lojas tinham parado de o perseguir diminuiu a velocidade e se concentrou na arma trêmula na mão.
O pai de família entregou tudo de valor que tinha, mas se esqueceu do…
“O relógio, filhão!”
As viaturas tinham cortado caminho e surgiram de surpresa na Rua Siqueira Campos.
Dentro da viatura os policiais estavam enfurecidos.
Um deles atirou, o tiro pegou nas costas do motorista do táxi. O motorista não largou a arma, mas também não atirou no pai de família. Apenas perdeu o olhar assistindo a própria morte pelo reflexo do vidro do carro.
O pai de família aproveitou a deixa pra destravar a sua porta e saiu.
Ouviram-se mais dois disparos.
O pai de família terminou de ajudar a esposa a sair do carro com o filho no colo e a criança já estava morta. Ao olhar para o carro o motorista tinha levado um tiro na cabeça e teve seu fim.
Ninguém sabe de onde veio o tiro, mas saiu no jornal que o bandido trocou tiros com a polícia e possivelmente um desses teria matado a criança.
O pai de família não sabia de nada porque ficou transtornado com a morte do filho, e seu triste fim havia chegado por cultivar em si a ira daqueles que desejam a vingança. Bastava de violência na cidade! Ele queria se sentir seguro, e com razão. Mas nem tanta, pois sonhava com medidas radicais que matariam muitos inocentes.
Sabemos que o tal doidão nem chegou em casa por conta de um incidente dentro de um táxi na altura da estátua de Siqueira Campos tomando um tiro.
Pobres homens.

O PSIQUIATRA
Um psiquiatra leu no jornal a notícia enquanto tomava seu café da manhã.
“Se assuntos como depressão, transtorno de ansiedade, compulsões e todos as vertentes que levam alguém a se tornar um elemento ruim, egoísta, fossem mais discutidos: teríamos mais paz no mundo.”
Ele acreditava que a psiquiatria e a psicologia seriam a solução do mundo, então compreendeu porque os políticos não valorizavam a melhoria do sistema. Porque eles tratariam de suas próprias doenças, e assim o mundo saberia que com sanidade mental, muito antes do que educação o ser humano consegue fazer de todo desastre uma grande chance de se reconstruir.
O psiquiatra cansou do jornal e ligou a televisão.
“Eleições dois mil e dezoito.”
E pensou consigo:
“Como votar no presidente da república? Até hoje eu não aprendi.”
Mas assistiu a propaganda eleitoral até o final, pois sabia que esse era o único modo de exercer um voto consciente, e então ver as notícias do jornal mudarem para:
“Dias melhores. Após eleito, o presidente da república salvou o dia, não apenas de um, mas sim de TODOS.”