Coletivos levam voz das periferias para todo o estado

Principal do coletivo de mesmo nome, Festival Roque Pense destaca presença feminina no rock
Principal do coletivo de mesmo nome, Festival Roque Pense destaca presença feminina no rock
Principal iniciativa do coletivo de mesmo nome, Festival Roque Pense destaca presença feminina no rock (Foto: Divulgação)

No ano de 2015 assistimos e muitos de nós participamos e compartilhamos nas principais redes sociais on-line do mundo, de diversas campanhas para criticar ações sexistas e de discriminação contra a mulher como a internacional #myfirstdate e sua versão nacional #meuprimeiroassédio, #meuamigosecreto e #seráqueémachismo, entre outras. Apesar de, nessa nova forma de comunicação e de tecnologias da atualidade, a difusão de informações ser feita numa velocidade incalculável e incontrolável, ações como essas não são fruto do acaso apenas. Coletivos culturais, movimentos sociais, Organizações Não-Governamentais (ONGs) e diversas outras ações de defesa dos direitos humanos vêm atuando nesta área há muitos anos em todo o mundo. No caso específico do município de Mesquita, município da Baixada Fluminense, desde 2011 o coletivo cultural Roque Pense vem, através do apoio à formação de bandas de rock na região, atuando contra a discriminação pelo sexo no universo da música e da cultura urbana. Surgido através de publicações independentes sobre educação não sexista, a iniciativa, segundo seus idealizadores, tem como missão promover atividades artísticas e culturais em que as mulheres sejam protagonistas e possam ter a oportunidade de se expressar, instrumentalizar-se e desenvolver suas habilidades, fazer intercâmbios e criar referências.

O Roque Pense é um dos muitos coletivos culturais mapeados espalhados pelo estado do Rio de Janeiro através das atividades do Estação Empreendedorismo Cultural – projeto voltado para profissionalização de agentes culturais em segmentos como música, audiovisual, narrativa transmídia, games, trilha sonora, gestão em redes sociais, distribuição musical, entre outras, nas atividades de formação nas modalidades presencial, itinerante e virtual.  “Através de atividades, os participantes são estimulados a adquirir comportamentos empreendedores que sejam capazes de iniciar novos negócios, ou alavancar empreendimentos já existentes através de práticas antenadas com o uso da tecnologia na atualidade”, explica Simone Pereira de Sá, coordenadora do projeto, professora e pesquisadora do Curso de Mídia e da Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Em Volta Redonda, ‘Pombos’ dançam hip hop

Floresta da Cicuta, Volta Redonda, berço do Coletivo Pombos
Floresta da Cicuta, Volta Redonda, berço do Coletivo Pombos (Foto: Wikimmedia Commons)

Quanto aos coletivos culturais, a pesquisa acompanhou o crescimento no número dos tanto na capital quanto no interior. “Destes, destacamos, no Rio, o Rock S.A., Subsolo, Resistência Cultural, Liga HC, Rock em Movimento e o movimento #acenavive, Coletivo Rock e Macaco Chinês em Duque de Caxias, Roque Pense em Mesquita, Petrópolis Inc. em Petrópolis, Juventude Rock em Cabo Frio e Pombos, em Volta Redonda, que é focado no segmento hip hop”, afirma Luiza.

Também chamado de Núcleo de Estudo Permanente da Cultura Hip Hop, o coletivo Pombos foi fundado pelo rapper Thiago El Niño e por jovens que participaram de suas formações. “Atualmente, eles ministram as aulas ao lado de El Niño e realizam encontros abertos acontecem na Cruz Vermelha de Volta Redonda, na Vila Santa Cecília, até duas vezes por mês. São filmes, debates e formações com a participação também de outros coletivos da região”, explica.

No caso da Região Serrana, o destaque foi Petrópolis Inc, natural da cidade de mesmo nome. “Desde 2010 eles vem atuando na realização e assessoria de projetos independentes atingindo jovens e adultos, o coletivo já conta com 18 eventos realizados e apoios concedidos a outras dezenas de iniciativas parceiras”, destaca.

Fundador do coletivo Pombos, o rapper Thiago El Niño leva cultura e debates gratuitos paar o Centro de Volta Redonda (Foto: Marina Andrade)
Fundador do coletivo Pombos, o rapper Thiago El Niño leva cultura e debates para o Centro de Volta Redonda (Foto: Marina Andrade)

Ainda sobre o cenário musical, Luiza chama a atenção para o município de Cabo Frio, na Região dos Lagos. “Ali existe o coletivo Juventude Rock, que tem uma importante relação com a cena musical da cidade. Eles já realizaram mapeamento de bandas locais, colaboraram na divulgação e circulação de artistas e ainda ajudam na produção de dois importantes festivais da região, o Noise Fest e o Festival de Rock Humanitário”, explica. Sobre o segundo, voltado para rock pesado, ela destaca o fato dele ser o maior festival beneficente do Rio de Janeiro, com a entrada franqueada em troca de apenas dois quilos de alimento. “Este ano, sua sétima edição, realizada no mês de abril, recebeu pela primeira vez uma atração internacional, Paul Di’Anno, primeiro vocalista da banda Iron Maiden, além do show de 30 anos de carreira do Sepultura”, conta. Ela acrescenta que enquanto na cidade de Cabo Frio foi possível mapear o rock como gênero predominante do local, em Volta Redonda, município do Médio Paraíba, o hip hop foi o principal gênero encontrado.

Estação Cultural produz Mapa Musical RJ

O Estação também tem desenvolvido ações na área de cartografia sonora e musical, onde está concentrada sua principal realização até o momento: o  Mapa Musical RJ (MMRJ), plataforma colaborativa na internet que mapeia mais de 700 agentes culturais espalhados pelo estado, trazendo informações sobre cursos de música, lojas de instrumentos musicais,  mais de 120 estúdios de ensaio e de gravação, festas populares, secretarias municipais de cultura, empresas de sonorização e coletivos culturais. “Existem também muitos pontos multifuncionais, que funcionam simultaneamente como estúdio, casa de show, curso de música e loja de instrumentos musicais”, explica Simone.  Ela acrescenta ainda que durante o mapeamento, os pesquisadores verificaram que os locais estão migrando sua principal fonte de comunicação para a principal rede social on-line utilizada no mundo, e muitos já não usam nem e-mail, tampouco mantém sites no ar.

Durante o processo de construção do MMRJ, os pesquisadores identificaram fortes investimentos na área dos cursos de música realizados pelas secretarias municipais de cultura em programas de longa duração e também em cursos livres e oficinas. “Cidades do interior possuem programas como o Pescando Talentos, em Arraial do Cabo, Escola Municipal de Artes Maria José Guedes de Macaé, Escola de Música Chiquinha Gonzaga, em Itaguaí, o Projeto Aprendiz, em Niterói, além dos núcleos avançados da Escola Villa-Lobos em Miracema, Búzios, Paracambi e Conceição de Macabu.

No caso dos estúdios de ensaio e gravação, o MMRJ, que também conta com apoio do edital do Instituto Claro Embratel 2013, mostra que 85% deles se concentram na região metropolitana. “Também identificamos 347 espaços públicos e privados que recebem programação musical. Destes, a capital do Rio reúne 110 e as demais da região metropolitana somam 60. Na sequência, as três regiões com maior número de espaços para tocar identificados foram Baixada Litorânea, Região Serrana e Médio Paraíba”, explica Simone.

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Primeiro vocalista da banda Iron Maiden, Paul Di’Anno participou da edição de 2015 do Festival de Rock Humanitário (Foto: Carolina Pascoalete)

Apesar da enorme concentração de atividades na capital, o mapa identificou também a existência de algumas cidades que reúnem uma boa quantidade e variedade de itens mapeados como Campos dos Goytacazes, Niterói, Cabo Frio e Volta Redonda, tornando-as polos nas suas regiões. “A região do Médio Paraíba também possui uma enorme variedade de eventos produzidos pelas prefeituras locais, com festivais da canção e festas comemorativas, que somam cerca de 30 eventos anuais”, explica.

De acordo com o mapa, a região com menor número de itens mapeados foi o Noroeste Fluminense, que possui 13 cidades com média de apenas cinco pontos em cada. Constatamos que nessas cidades existem poucos espaços públicos e privados para shows e os principais eventos são os realizados pelas próprias prefeituras. “Vale lembrar que essa região que concentra os maiores índices de pobreza do estado. As cidades que integram essa região são: Bom Jesus do Itabapoana, Italva, Laje do Muriaé, Natividade, Porciúncula, Varre Sai, Santo Antônio de Pádua, Aperibé, Cambuci, Itaocara, Miracema, São José de Ubá e Itaperuna. As duas últimas são as que contam com melhor estrutura com, respectivamente, o núcleo avançado da Escola Villa Lobos, o Teatro Municipal Geraldo Tavares André, a Casa do Amarelo, o Teatro do SESI, além do Rock n’ Gol Bar, local que recebe uma extensa programação musical e onde já foram realizadas e edições do festival Itaperuna Metal Massacre”, acrescenta.

Já no que diz respeito aos espaços para shows, os pesquisadores identificaram a existência de casas de show de grande porte para circulação de artistas de mainstream principalmente nas cidades da região metropolitana, poucas casas de porte médio tanto na capital quanto no interior, e diversos pequenos espaços culturais e bares que recebem programação musical, normalmente voltados aos gêneros mpb e rock. “Existem ainda um grande número de espaços de pequeno porte, com capacidade entre 40 e 200 pessoas”, afirma Simone.

Coordenadora de projetos da Ponte Plural e doutoranda em Comunicação na UFF, Luiza Bittencourt destaca os tradicionais festivais da canção, como os que são realizados nas cidades de Três Rios, Vassouras, Sapucaia, São João da Barra e Cardoso Moreira. No caso dos festivais independentes, destacamos o gênero musical do rock em cidades como Cabo Frio (Festival de Rock Humanitário), Casimiro de Abreu (Aldeia Rock Festival), Petrópolis (Festival Grito Rock) e Duque de Caxias (Festival Roque Pense). “Mas vale observarmos que o hip hop ficou em destaque nos municípios de Niterói, vizinho à capital fluminense, e Volta Redonda, no Sul Fluminense”, ressalta. Motoclubes também promovem grandes eventos com programações musicais em mais de 70 cidades do estado.  Apesar de serem eventos em que as bandas participantes costumam ser de covers, os pesquisadores identificaram grupos autorais participando, como as bandas cariocas Drenna e Folks. “Há ainda festivais para dar destaque à produção local, que são eventos, em geral, com foco na gastronomia e em exposições, mas que possuem uma significativa programação musical, como acontece com a Festa do Tomate (Paty dos Alferes), Festival do Camarão (Cabo Frio)”, acrescenta. Por último, também acontecem eventos comemorativos de emancipação e aniversário das cidades, que costumam ser as principais festas locais e são organizadas pelas secretarias de turismo, e não pela de cultura. Com isso, observa-se que a programação tende a ser formada por artistas do mainstream e, em poucos casos possuem a participação de músicos locais. Outro aspecto identificado por Luiza foi o crescimento de festivais independentes e coletivos, e a articulação de produtores culturais no interior do estado ao longo nos últimos anos.