CERRO CORÁ: inauguração da biblioteca comunitária e exposição fotográfica da comunidade

Crianças participam da contação de história

Sábado, dia 20 de dezembro, foi inaugurada a Biblioteca Comunitária do Cerro Corá, favela próxima ao Corcovado, na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro. A iniciativa foi do grupo Cerro Corá Moradores em Movimento que é formado por jovens moradores da favela do Cerro Corá e ativistas apoiadores.

Por Miriane da Costa Peregrino

 

Sem o famoso cnpj, sem sede própria e sem financiamentos, o grupo Cerro Corá Moradores em Movimento realiza, desde 2012, boa parte de suas atividades no espaço da associação dos moradores e da quadra do morro e elas vão desde a organização de mutirão para tirar o lixo do morro até a criação de um museu comunitário.

 

Cerro Corá Moradores em Movimento
Grupo Cerro Corá Moradores em Movimento em reunião. Foto: Miriane Peregrino

O trabalho de memória da comunidade teve inicio com o levantamento de registros fotográficos realizado pelo grupo junto aos moradores. Muitos moradores doaram e/ou cederam fotografias de família para reprodução. O resultado dessa ação foi a criação do projeto Memórias do Cerro Corá, uma espécie de embrião do museu comunitário que o grupo quer implantar no morro.

 Além do Memórias, o grupo trabalha há quase dois anos na implantação da biblioteca comunitária: recebendo livros doados, avaliando o material recebido, higienizando e catalogando os livros. A higienização e catalogação são atividades de continuo andamento. Recentemente, o espaço da associação foi reformado pelo grupo e a expectativa é que no ano que vem se estabeleça uma rotina de catalogação, atendimento e empréstimo de livros aos moradores. Como os membros do grupo não tem formação na área de biblioteconomia, alguns participam dos treinamentos do Conexão Leitura que funciona como uma espécie de rede de bibliotecas comunitárias.

Nesse período, o grupo também realizou Tardes de Leitura com contação de histórias e pintura para as crianças, que são as moradoras que mais procuram e participam das atividades da biblioteca.

 

Crianças participam da contação de história
Tarde de Leitura: crianças participam da contação de história. Foto: Miriane Peregrino

Embora as crianças sejam as moradoras que mais frequentam o espaço da biblioteca, foi realizada em  uma das Tardes de Leitura a leitura de trechos do livro Quarto de Despejo: diário de uma favelada (1960), da escritora Carolina Maria de Jesus. D. Antonia, 63 anos, moradora do Cerro Corá se emocionou com a história da ex-catadora de papel que virou escritora:

“Eu achei lindo o amor dela, o jeito dela cuidar dos filhos” – observou dona Antônia – “Eles [os filhos] tem que cuidar bem da mãe deles. Eu acho que ela nem existe  mais… será que ela existe?”.

D. Antônia, moradora do Cerro Corá comenta a leitura de Quarto de Despejo (1960)
D. Antônia, moradora do Cerro Corá, comenta a leitura do livro Quarto de Despejo (1960). Foto: Miriane Peregrino

 D. Antônia, assim como muitos moradoras de favela, nunca tinha ouvido falar na história da escritora Carolina Maria de Jesus, cujo centenário de nascimento ocorreu esse ano.

 No dia 20, a abertura oficial da biblioteca comunitária contou com várias atividades: contação de história, pintura, jogos, exibição de filme e uma exposição fotográfica do Memórias do Cerro Corá. Mariana Aquino, 26 anos, moradora do Cerro Corá, ficou emocionada ao reconhecer o irmão em uma das fotografias da exposição. Segundo ela, seu irmão, Demetrios, foi assassinado há 14 anos e sua família não tem foto dele.

 “A única foto que eu tenho do meu irmão é uma 3×4 e já está quase sumindo” – disse Mariana – “Mexeu muito comigo relembrar o rosto dele, a cor dele… foi muito bom”. Mariana terminou a passagem pela exposição com um pedido: uma cópia da foto do irmão.

 

Exposição fotográfica do Memórias do Cerro Corá. Foto: Marina Praça
A exposição fotográfica do Memórias do Cerro Corá preserva as lembranças locais. Foto: Marina Praça

Em tempos de expansão da memória através de ferramentas digitais, o depoimento de Mariana nos relembra que nem sempre um celular com câmera foi um produto de fácil acesso para a maioria dos moradores de favelas e subúrbios e, antes dessa tecnologia, tanto a máquina fotográfica quanto a revelação de filmes eram artigos caros há alguns anos e raramente acessível às classes populares. Nesse sentido, a atuação do Memórias do Cerro Corá vem engrossar o grito de que “Favela tem direito à memória” e preservar a história local é um meio de reforçar os laços afetivos e identitários dos moradores com seu território.

Outra ação promovida pelo grupo Cerro Corá Moradores em Movimento é o Cine Morrão com exibição de filmes e debate com os moradores e que abrange moradores de uma faixa etária mais diversificada. No último dia 6 de dezembro, foi exibido o filme “O Estopim” que fala sobre o desaparecimento do pedreiro Amarildo na favela da Rocinha, em julho de 2013, e faz uma crítica a política de segurança pública do governo do estado do Rio de Janeiro e a implantação da Unidade de Polícia Pacificadora – UPP nas favelas da cidade.  Na favela do Cerro Corá, que conta com cerca de três mil habitantes, foi implantada a UPP em 03 de junho de 2013.

 

Cine Morrão exibe "O Estopim" e faz debate sobre as UPPs nas favelas. Foto: Miriane Peregrino
Cine Morrão exibe “O Estopim” e faz debate com os moradores sobre o desaparecimento de Amarildo, na Rocinha, e as UPPs nas favelas. Foto: Miriane Peregrino

Para conhecer mais as ações do grupo visite as páginas do facebook:

Memórias do Cerro Corá

Cerro Corá Moradores em Movimento