Apropriação cultural, aceitação social e a necessidade de contextualizarmos os debates

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Época de carnaval traz folia, diversão, fantasias e alguns questionamentos. Se fantasiar de índio, Black face, nega maluca… pode? Não pode? Em tempos em que tudo torna-se um ato político, não pela disputa entre coxinhas e “petralhas” – longe desse Fla x Flu irracional – , mas sim, pela questão da representatividade de nossos atos perante grupos historicamente excluídos e oprimidos.

Foi nesse debate, do que pode e o que não pode, que cheguei até o tema da coluna de hoje; apropriação cultural e aceitação social. Posto que sou um advogado e não um antropólogo cultural, não irei aprofundar o tema, apenas trazer dois exemplos que entendo de fácil leitura para reflexão sobre questão.

Em um bate-papo com uma amiga socióloga branca, ela me disse que, “ao ser questionada por uma aluna, não soube explicar a diferença entre como um branco usa dreadlocks ou turbante é considerado apropriação cultural, porém quando o negro alisa o cabelo não é encarado desse mesmo modo”.

Os dreadlocks são uma prática tão antiga que não é possível afirmar sua origem – como o seu manuseio em parte de não cortar ou pentear os cabelos – é provável que homens pré-históricos já utilizassem esse “penteado”. Entretanto, essa prática ficou mundialmente conhecida graças aos integrantes do movimento Rastafari, que não cortam ou penteiam o cabelo por razões religiosas – são símbolos de uma devoção religiosa baseada no velho testamento. O movimento Rastafari, por sua vez, é um movimento judaico-cristão surgido na Jamaica nos anos 30, entre negros camponeses descendentes de africanos escravizados.

Explicada a representatividade dos dreads para os Rastas, mostra como tal ato vai além de uma questão estética, tendo toda a sua representatividade religiosa para um determinado povo que o disseminou.

Quanto ao alisamento dos cabelos por pessoas negras, também é necessária uma breve contextualização.

Vivemos uma cultura eurocêntrica, posto que o mundo Ocidental foi colonizado pela Europa, quando este continente impôs suas “verdades” aos demais. Com isso, todo nosso padrão de beleza, cultura e aceitação social parte de uma visão europeia dos temas. Exemplos disso temos os olhos claros como desejo de 9 entre 10 pessoas, ao ponto de se produzir lentes para clarear os olhos. Você já viu alguém usando lente para tornar o olho negro? Os corpos magérrimos das europeias foram/são os mais desejados no mundo da moda. Chegando a questão capilar, a definição é simples: liso e loiro é o padrão de beleza desejado e comercializado.

Com essas questões abordadas, partimos para uma breve conclusão – repito, sem a pretensão de encerrar o debate sobre o tema. Assim, é evidente como tais práticas não devem ser comparadas. Quando um branco usa o dreads, ele, em sua ampla maioria, o faz por razões meramente estéticas de se encaixar em uma moda vigente ou a uma contracultura alternativa. Assim, a prática por ele adotada tem uma representatividade espiritual e religiosa para o povo que a disseminou e que ele ignora. O negro ao alisar o cabelo é um ato de encaixe em uma sociedade que não foi pensada para ele, e sim, por um outro grupo racial, excluindo e desvalorizando completamente suas características e particularidades. No imaginário coletivo, temos claramente – vale o trocadilho – em nossa mente a definição de cabelo bom e cabelo ruim, não é mesmo?

Por fim, que brancos usem dreads e negros alisem o cabelo, se assim o quiserem, mas que saibamos o porquê e a diferença de cada ato.