A verdade dos incêndios nas favelas de SP

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Diante das estatísticas de incêndios nas favelas da cidade de São Paulo, surge um documentário independente: Limpam com fogo, dos jornalistas César Vieira, Conrado Ferrato e Rafael Crespo. Segundo eles, o boom imobiliário da cidade e os 1,2 mil incêndios registrados entre 2008 e 2012 não são mera coincidência.

É claro que o incêndios não chegam ao ponto de receber licença do governo paulistano para acontecer, porém, a ausência de medidas de prevenção contra esses acidentes são um ponto forte de acusação. Não é acender o fósforo, mas deixar queimar. O cidadão vive à margem de perder bens que demorou toda vida para obter – isso quando “dá a sorte” de sair vivo.  A precarização dessas moradias sempre existiu, e não basta estar exposto a enchentes, deslizamentos, remoções nestes lugares.

Os incêndios varrem tudo. “Tudo” é um pronome indefinido que conceitua bem a perda: indefinida. Imensurável. Certamente, o tempo mais seco na cidade contribui para acidentes desse tipo, mas sempre se pode pensar além: o clima é a justificativa perfeita. Ninguém pode controlá-lo, sendo uma legítima e quase incontestável resposta aos acidentes. Ou crimes? Porque, segundo o documentário, incêndios nas favelas de São Paulo não acontecem por acaso. Eles se deixam acontecer, unindo o útil ao agradável e respondendo a uma lógica perversa que não é a única em periferias. Os responsáveis existem.

Os recorrentes incêndios despertaram o interesse de ativistas e interessados em acabar com este caos. De tantas ocorrências, foi criada a plataforma Fogo no Barraco, uma planilha colaborativa para registrar todas ocorrências de incêndios em favelas na Grande São Paulo. São filtradas por data, nome da comunidade, observações, latitude/longitude (localização exata na superfície terrestre), população, vítimas fatais, feridos, desabrigados e links importantes. A partir da planilha, criou-se um mapa para cruzar as informações de dados com a localização geográfica da especulação imobiliária. Qual não foi a surpresa de se perceber que o preço do metro quadrado na região realmente subiu depois das primeiras queimadas?

Apesar de ser perigoso afirmar que há ligação entre os incêndios e o preço dos imóveis, é interessante a analogia entre precarização da favela e a gentrificação (fenômeno que valoriza regiões antes abandonadas, expulsando a população pobre local). O que for indesejado, atrapalhar a valorização de um espaço, será removido, direta ou indiretamente. A lógica da indústria imobiliária dita as regras da urbanização, reurbanização e governo. Quanto maiores os preços e menos pobres, mais se lucra. A recorrência é preocupante. Mais ainda, é a forma com que a mídia trata esse tipo de tragédia como normal.

Ainda que pareça que tudo está perdido, o uso de plataformas de geoprocessamento como tentativa de solucionar “desastres naturais” e comprovar argumentos é um alento em meio ao caos. O cruzamento de dados com a localização geográfica (ou seja, mapas) facilitaram o uso de ferramentas até então difíceis de manejar. A democratização da informação (o Google é uma ótima prova), do levantamento até a análise e conclusão, permite que qualquer pessoa consiga demonstrar visualmente seu ponto de vista, facilitando até a adesão de outros que tenham a mesma perspectiva.

Limpam com Fogo pretende mostrar que os incêndios respondem a uma lógica seletiva. Essa tese é demonstrada pela planilha e mapas, e foi executada por pessoas que refutam a negligência do Estado e crimes de construtoras. O papel da mídia alternativa, agora, é agregar ainda mais cabeças afins de “apagar esse incêndio”.