A tal da apropriação cultural

A falta de informação sobre um assunto sempre gera dúvidas. Por exemplo, a apropriação cultural é um termo recente, em evidência, e de que muitos ouviram falar – ainda que a minoria saiba explicar o que seja. Por essa razão, o conceito acaba se distorcendo e banaliza uma discussão tão necessária.

Apropriar-se culturalmente não é todo ato de qualquer pessoa sobre qualquer cultura. Há dois critérios para avaliação: I) esvaziamento de significado de símbolos culturais ou religiosos; II) relações de privilégio envolvendo raça, classe ou religião. Dessa forma, o iPhone 6 pode ser usado por brasileiros, mesmo que tenha sido criado nos Estados Unidos, ou que saias indianas podem ser usadas sem problemas por franceses. Não acontece um apagamento do sentido original em nenhum dos casos.

Entretanto, o uso de patuás da umbanda por pessoas que não têm qualquer relação com a religião exime seu significado. Se for uma pessoa branca, as chances de sofrer preconceito religioso caem bastante se comparadas ao que sofrem negros umbandistas em lugares públicos. Outra variável: se a pessoa branca for umbandista, a apropriação cultural não acontece. Ainda que haja privilégio de raça, os símbolos são importantes para quem os usa.

A população branca possui privilégios porque a sociedade dá a ela acesso a quaisquer símbolos mesmo que não haja relação alguma. Ao contrário, muitas vezes pessoas negras são zombadas por usar seus próprios signos. O branco na moda hip hop é cool, o preto é perseguido pela polícia. Os negros com cabelo raspado e desenhos na cabeça são historicamente tidos com feios, mas as jovens da Zona Sul que raspam seus cabelos desenhando flores são ícones da moda. A preta de turbante é macumbeira, a branca com trança é linda. É por isso que precisamos levar em conta a história de dominação e preconceito de cada grupo. Não se trata de vitimismo, mas de uma reflexão clara das diferenças sociais.

Por outro lado, não se deve dizer arbitrariamente o que deve ou não ser usado por outra pessoa. É preciso contextualizar o debate, levar em consideração questões históricas e estruturais do sistema e da sociedade, no que tange a privilégios, dominação, grupos étnicos, tradições ou costumes. Mesmo que brancos não mais dominem negros no Brasil do século XXI e não tenham diretamente culpa pelos anos de escravidão sofridos pelo povo preto, ainda há mais benefícios para um lado do que para outro. É um processo que ainda não foi extinguido.

Antes de usar um símbolo, vale pensar sua essência, razão de existir e se esse uso contribui para que o grupo detentor daquela cultura deixe de ser marginalizado. Este objeto tem alguma importância especial ou é apenas moda? Alguém vai deixar de receber olhares e ofensas porque o usei? Poucos sabem da história e do significado negro dos dreadlocks, que passaram a ser vistos como item comum a usuários de drogas ou símbolo apenas do movimento rástafari e “boas vibrações”. Houve um engavetamento de sua história.

2017 está chegando. Que a consciência e o bom senso façam parte de todas as escolhas.