A “milícia oficial” do Rio de Janeiro

Há poucos anos, o atual Governo do Estado do Rio se gabava de ser o único estado do país que tinha encontrado a solução para o combate à violência local. Primeiro foram as UPPs, que, segundo o ex-governador Sergio Cabral (atualmente, preso na Penitenciária de Bangu por desvio de verba), seriam a saída final contra as facções criminosas da cidade. Depois, foi o Lapa Presente, força policial auxiliar bancada pela Fecomércio que faria o patrulhamento noturno nas ruas do bairro e do entorno.

Mas, depois de um pseudo-êxito, ambas naufragam devido à atuação violenta e fascista de seus agentes. Quem é negro e passa pelas ruas da Lapa à noite já sabia disso. Com a chegada do Aterro, Lagoa, Méier e agora Centro Presente, a população carioca tem sido testemunha das abordagens desastrosas da operação Segurança Presente, que se afirma efetuar uma média de 300 prisões por mês – quase todas realizadas de forma extremamente violenta.

Apesar de negro, ainda não tive o desprazer de ser abordado por esses agentes, em sua maioria PMs reformados ou afastados de suas funções, ou de reservistas das Forças Armadas ou da Guarda Municipal. É difícil encontrar um agente que tenha, pelo menos, uma postura contida e educada. As abordagens são inamistosas e intimidadoras. Seus alvos principais são negros, mestiços, moradores de rua e possíveis usuários de drogas.

Logo no primeiro mês da operação do Aterro, a filha de uma grande amiga, que é cineasta, filmava uma partida de futebol nos campos do Aterro do Flamengo da qual participava seu namorado. Uma patrulha de quatro pessoas, ao vê-la filmar o jogo, a abordou e pediu a nota fiscal da câmera (!). Eu quero saber: quem é que anda com notas fiscais de qualquer objeto? Como ela não a tinha em mãos, foi levada para a delegacia do bairro para prestar esclarecimentos. Outro amigo andava de bicicleta pela Lagoa Rodrigo de Freitas com fone de ouvido e não ouviu a ordem dos agentes para parar. Foi cercado, jogado ao chão e imobilizado. Motivo? Acharam que ele tinha roubado a bicicleta e estava fugindo. Há umas três semanas, outro amigo estava na fila de um show na Praça Paris quando quatro agentes do Lapa Presente cismaram com ele e foram revistá-lo.

Detalhe: em todos os casos, os abordados eram negros. Percebe-se que as orientações que os agentes recebem no treinamento é para que abordem todas as pessoas que estejam em “situação suspeita”. Porém, todos sabemos que, para eles, basta ser negro para ser suspeito.

Na última semana, eles ultrapassaram todos os limites. Uma amiga foi assaltada por menores infratores em plena Avenida Presidente Vargas, à luz do dia. Além de roubada, foi agredida. Ao pedir ajuda e como estava muito nervosa, falou alto com os agentes, que se ofenderam e começaram a discutir com ela ali mesmo. Um deles lhe deu voz de prisão e tentou colocá-la à força na viatura. Ela se recusou a entrar e foi simplesmente espancada à vista de todos. As possíveis testemunhas intimidaram os agentes, que então a algemaram e jogaram para dentro do carro. No caminho, ela foi vítima de tortura psicológica e física – quanto mais ela protestava, mais apanhava. Finalmente na 4ª DP, foi autuada por abuso de autoridade (?!). Seu estado físico e emocional era de destruição. Hematomas por todo o corpo eram a prova de que ela tinha passado por uma sessão de tortura cabível aos tempos da Ditadura Militar. Ou seja, uma trabalhadora recebeu tratamento que nem bandido merece.

Nesses tempos em que se fala muito a respeito de limitar o poder de juízes e promotores, vê-se que isso nunca vai acontecer, dado que não conseguimos limitar o poder nem sequer de meros agentes policiais…

P.S.: É lamentável e deprimente a decisão de dois desembargadores da 2ª Câmara Criminal, que determinaram o arquivamento do processo contra dois policiais militares acusados do assassinato do menino Eduardo de Jesus, morto com um tiro na cabeça em ação desastrada da PM no Complexo do Alemão em 2015.