A grande ceia de Natal na favela

Natal no Complexo do Alemão. (Créditos: André Gomes de Melo / Governo do Estado)

Corre-corre, idas ao mercado, a busca por frutas frescas, os preparativos na cozinha, a gritaria sobre algo que está faltando e que alguém precisa sair rápido para comprar antes que feche tudo. Na cozinha, várias mãos preparam as guloseimas a serem degustadas na noite mais esperada do ano. O tempero do chester ou do peru foi feito no dia anterior. A maionese, a farofa, a lentilha e o churrasco não podem faltar. O toque de requinte vem daquela toalha guardada só para esta data. As taças e copos bonitos saem das caixas e enfeitam a mesa. As roupas novas compradas especialmente para este dia são conferidas. Enquanto isso, as “novinhas” passam o dia no salão de beleza, já que a produção para a noite deve ser impecável, do cabelo às unhas.

Quando vai se aproximando a tarde, aumenta a ansiedade e a correria. É hora de conferir se as aves já estão assadas, porque ainda tem o pernil para entrar no forno logo em seguida. A fartura de frutas é grande, e elas são as mais diversas: da uva ao pêssego, da melancia às frutas secas, tem um pouco de cada – até nozes e coquinho, chique demais! Existe uma grande satisfação de todos os membros das famílias de colaborarem para que tudo isso aconteça. É uma sinergia que contagia a todos. Só pode ser o tal espirito natalino.

Não podemos esquecer do principal, do astro-rei dessa noite aqui na favela, o churrasco. Ele nunca pode faltar na noite de Natal, pois vai ser o belisquete dos penetras andantes que nos visitam de surpresa. Não pode faltar de forma alguma asa, linguiça, chã, pão de alho, molho à campanha, que ficam sempre na frente da casa. Às 18h, o carvão foi aceso, e já tem bastante vacilação na grelha…! O churrasco é a nossa entrada. Ele fica ali, na porta de casa ou na laje, para manter a mesa de jantar intocável. A produção foi feita ao longo de todo o dia e só pode ser mexida depois da meia-noite. Na favela, é assim.

Depois de um dia inteiro de agitação, é chegada a hora da fila do banho e dos preparativos finais, dos últimos detalhes da mesa, daquela conferida se a cerveja e os refris já estão gelados, se o vinho está no ponto de ser aberto. Logo, os primeiros penetras já brotam gritando: “Tem alguma coisa pronta aí já?”. E é um tal de ir pegando uma rabanada, sem qualquer vergonha mesmo, metendo a mão na latinha gelada e depois meter o pé, já migrando para outra casa… Faz parte.

Por volta das 21h, com a churrasqueira já bem acesa, tem pão de alho à vontade, muita linguiça e bebida. Por toda a favela, só se vê música e alegria, as crianças soltando bombinha, e os adultos, fogos no ar. Todos são contagiados. Logo, começa o que mais me impressiona: as portas ficam abertas, e todos chegam e saem, sempre beliscando alguma coisa e dando adeus. Há vários grupos que passam a noite toda só nas visitações. Existem ainda aqueles que não podem fazer uma ceia como manda o figurino, mas que, mesmo assim, dão seu jeito, nem que seja compartilhando o jantar com o vizinho. O importante é que ninguém fique de fora.

Ainda tem o momento do amigo oculto. Todos, com seus presentes em mãos, se confessam entre si. Rola o momento do perdão. O brabo é só quando surgem os presentes mequetrefes, né? Aí, o bagulho dá aquela esquentadinha… Mas sempre tem alguém que lembra: “Ó, é noite de Natal! Amanhã, vocês resolvem isso”.

Muita alegria, descontração e paz: na noite da ceia de Natal da favela, todos comem, todos se abraçam e vivem, nem que seja por uma noite apenas, momento bons. Aqui tudo fica para trás. Todo mundo espera o momento de se abraçar e se perdoar.

Queria tanto que todos os dias fossem como é na noite de Natal…