A família carcerária está mudando

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“Lutar pelo Estado de Direito, hoje, é uma ação revolucionária. Defender o Direito dos nossos desafetos testa nossos compromissos com os valores que dizemos ter, nossa eticidade e grau da nossa civilidade.”
(João Batista Damasceno)

Dia desses, assisti pela TV a cobertura da entrada da visita dos presos famosos de Benfica: como de costume, uma espetacularização, uma exposição desnecessária. Vi os filhos entrarem com as sacolas de plástico com as “sucatas”, constrangidos, sob os olhares de milhões de expectadores dos jornais, que transmitem ao vivo, para o prazer de todos, as desgraças diárias, as derrotas dos outros.

Pensei que ia gostar de ver o poder humilhado, os filhos dos poderosos desonestos sendo apontados publicamente, mas não. No coração, um sentimento de pesar, de tristeza. Não há como sentir prazer na humilhação de ninguém, nem dos que são nossos adversários.

A cadeia é um lugar difícil, um moedor de carne humana que despersonaliza e que cristaliza rancores, lugar de tensão constante, disputas, interesses. É um microcosmo da nossa bela sociedade. Senti pena do que agora eles começarão a passar, da etapa difícil, mas que é um aprendizado. Quem passa por ali sai mais resistente, cria uma crosta, uma capa protetora, cresce na marra.

Quem sabe se, com tantos representantes ilustres no nosso sistema penitenciário, possamos com suas famílias fazer com que a Lei de Execuções seja realmente implantada, observada, seguida?

Podem ser parceiros importante para que possamos ter mudanças na forma como a administração penitenciária atua, exigir do Ministério Público a multiplicação exponencial de fiscalizações – não como a que foi feita em Benfica, uma fiscalização pontual, midiática, sem um objetivo de adequar a realidade a lei, mas realizada para causar escândalo e constrangimento.

Em meus 37 anos de sistema penitenciário, dos quais por 33 estive enquanto mulher de um cidadão preso – já que antes fui estagiária de direito na jurídica do sistema, nunca vi qualquer tipo de interesse do MP em fiscalizar o que quer que seja sobre a dignidade do preso intramuros ou extra-muros. Isso é inédito. Nunca foram verificar a péssima qualidade da comida servida ao coletivo e o seu baixo valor nutricional, se tinham assistência médica, jurídica, social, psicológica, se havia trabalho, estudo… Mas … são lumpens, o que importa?!

Nunca foram verificar as condições de trabalho do agente de segurança, que trabalha no olho do furacão, tão sem suporte quanto o preso, todos colocados na mesma miséria moral. Mas … são apenas agentes de segurança, lumpens também!

Talvez, a Vara de Execuções possa exercitar mais a Lei de Execuções Penais e liberar mais presos em benefício, desafogando as prisões. Talvez, as Varas Criminais possam definir a vida do enorme contingente de presos provisórios no Estado, afinal, mais de 45 mil esperam julgamento ad aeternum.

Enfim, a família carcerária está mudando. No meu tempo, a maioria era pobre, pobre de marré deci. Na década de 90, com o advento da droga, chegam às prisões famílias com maior poder aquisitivo. Hoje, a elite também se achega. Agora que já temos todos os níveis sociais intramuros, espero que possamos, enquanto família, nos organizarmos para lutar por um sistema penitenciário digno, humano.

Clarissa Garotinho, Rafael Picciani, Marco Antônio Cabral e todos os outros parentes de empresários e políticos presos, sejam bem-vindos ao nosso mundo! Queremos contar com o apoio de todos para transformar aquela lixeira em um lugar habitável e respeitoso. Vamos à luta!